...há propensão a ocorrer um desastre quando um evento extremo coincide com uma situação vulnerável, sobrepujando a habilidade da sociedade, para controlá-lo ou sobreviver às suas consequências. Não significa que cada evento extremo seja um desastre. Eventos extremos naturais - terremotos, enchentes, secas e até incêndios - são parte de um ciclo natural. Mas o incremento populacional acelerado e as tendências econômicas têm alterado o equilíbrio entre os ecossistemas, aumentando o risco do sofrimento humano, morte e destruição.” (MARQUES e PINHEIRO, 1996 )
Os fatos lamentáveis que ocorreram com os nossos irmãos cariocas, especificamente na região serrana do Rio de Janeiro, têm provocado na mídia coberturas cinematográficas e concorridos debates, em sintonia com o ambiente democrático que vivenciamos no nosso país. Mas será que os trabalhadores do Tempo foram chamados para algum debate? Infelizmente não. E o que se assiste é um jogo de empurra-empurra, todos procurando um responsável, comum em todas as catástrofes, apagões etc.
Vem a pergunta: A Meteorologia avisou?
- Ai do coitado do trabalhador do Tempo se não emitiu algum aviso. A partir desse momento, será julgado pelo seu ato omissivo.
Vem a pergunta: A Meteorologia avisou?
- Ai do coitado do trabalhador do Tempo se não emitiu algum aviso. A partir desse momento, será julgado pelo seu ato omissivo.
Sou profissional da meteorologia, que aqui denomino carinhosamente de trabalhador do Tempo, há mais de 30 anos; todos dedicados ao serviço operacional. Considero-me entre os mais experientes da América do Sul, especialmente no que se refere à operação de radar meteorológico. Nesse sentido, julgo-me credenciado para participar desse importante debate, movido pelo compromisso com o interesse público e ancorado em idoneidade técnico-científica, posto que para além da experiência nos centros operacionais, dedico parte da minha vida profissional ao exercício científico e de magistério, respaldado por sólida e completa formação acadêmica. Seguem, assim, algumas considerações que entendo necessárias para centralizar o debate em bases mais realistas.
Muito se fala que o supercomputador Tupã será a solução para evitar os flagelos com as conseqüentes perdas de vidas e propriedades, decorrentes de enchentes e desmoronamentos tão comuns nos nossos verões e às vezes também (não tão raro como se pensa) em outras estações do ano. Pois bem, é verdade que graças aos modelos meteorológicos a previsão de Tempo no Brasil deu saltos de qualidade nos últimos 10 anos, contudo, se há que reconhecer que os modelos matemáticos utilizados em meteorologia têm muitas limitações. Um dos problemas dos modelos é que sua atualização decorre a cada 12 horas; vamos guardar esta informação.
Os satélites meteorológicos, que não são nossos, o que nos torna refém dos proprietários, são atualizados a cada 30 minutos, mas efetivamente o meteorologista só tem acesso cerca de 40 a 45 minutos depois da varredura, vamos guardar esta informação também.
Agora vamos falar do radar meteorológico, que também tem limitações de várias ordens, mas é muito eficiente, dependendo da distância entre o alvo (chuva) e a sua localização, para detectar, qualificar, quantificar e fazer prognósticos de tempestades, de até uma hora de antecedência. Tome-se como exemplo o serviço meteorológico operacional da UNESP (trabalha com plantões de 24 horas), que possui os radares mais modernos da América do Sul, instalados em Bauru e Presidente Prudente no Estado de São Paulo, com pessoal habilitado junto ao sistema CREA/CONFEA e altamente qualificado para operar e interpretar as informações produzidas pelo radar. Em um dia de chuva, os radares meteorológicos trabalham sincronizados e coletam informações em tempo real a cada 7,5 minutos, o que permite estimar a direção e a velocidade de deslocamento das chuvas significativas detectadas, funcionando como uma eficaz ferramenta de vigilância meteorológica; guardemos esta informação também.
Outras informações, também imprescindíveis para qualquer centro de vigilância meteorológica, vêm da rede de estações meteorológicas de superfície e altitude. A rede de estações meteorológicas de superfície, interligada ao sistema de dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), é operada pelo Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, sendo este o mais equipado da América do Sul. Nos últimos 04 ou 05 anos o INMET implementou uma rede de estações automáticas, substituindo quase todas estações convencionais, aliado a um sistema de transmissão de dados que os transfere em tempo real para a rede mundial de computadores; outra informação para guardar.
Agora vou narrar uma situação bem comum no dia-a-dia: os modelos não estão prevendo chuvas para o Estado de São Paulo. Nessas situações os radares meteorológicos fazem varreduras a cada hora (no verão, mesmo sem chuva a cada 30 minutos). Horas depois aparecem as primeiras chuvas, dependendo de onde foram detectadas as varreduras dos radares passam para cada 7,5 minutos, função do produto que se deseja.
Problema 1: Lembram de tempo de atualização dos modelos matemáticos?
As chuvas continuam a aumentar em quantidade e intensidade, logo os resultados dos modelos tornaram-se perecíveis, começa o pessoal da defesa civil e população a ligarem para o órgão de vigilância perguntando: qual a previsão para o dia seguinte? O profissional que só utiliza as saídas dos modelos sabe que não tem alternativa, e agora? Nesse momento entra o profissional treinado, com experiência e busca um novo diagnóstico na rede de estações meteorológicas (em superfície, pois em altitude a atualização também é a cada 12 horas para uma parte da rede, 24hs para o restante) e faz as análises das famosas cartas sinóticas, onde tem como objetivo principal fazer um diagnóstico correto do Tempo, uma vez que os modelos não avaliaram aquela situação.
Problema 2: Onde encontrar esse profissional?
Ocorre que os trabalhadores do Tempo não têm um plano de carreira com um salário adequado, nem ao menos o piso profissional sugerido pelo CREA. Conseqüentemente, migram para outros ramos da profissão, pois, além da labuta do trabalhador do Tempo requerer extrema dedicação, posto que exige solução de continuidade (trabalha fins de semana, natal, ano novo, carnaval, páscoa, dia das mães, dos pais e todos os feriados, manhã, tarde, noite e madrugada) o salário é desanimador. Logo, constata-se uma enorme e prejudicial rotatividade desses profissionais nos centros operacionais, impedindo que atinjam a maturidade como analistas meteorológicos, imprescindíveis para o diagnóstico correto das situações meteorológicas com vistas à elaboração de uma adequada previsão do Tempo.
A nossa academia é comparável as melhores do mundo, uma vez que a grade curricular de meteorologia é a mesma, e os nossos docentes são quase todos qualificados com títulos de doutores. Na academia nasce os nossos pesquisadores de alto grau de competência e quanto mais premiado for, mais atraído será para exercer funções administrativas. Isto nos leva a imaginar a seguinte situação ideal:
Os modelos não têm problemas;
Os radares meteorológicos não têm limitações;
Os nossos talentos da academia continuarão nos seus centros debruçados em pesquisas para aprimorar a meteorologia brasileira;
Teremos mais estações meteorológicas, todas funcionando à todo vapor
Mais dois ou três supercomputares;
Ataulizações de modelos a cada três horas
Os meteorologistas e técnicos operacionais bem pagos
Pergunta: A Meteorologia impedirá os flagelos decorrentes das enchentes, os alagamentos e desabamentos?
A resposta é não, pois, embora o serviço meteorológico seja imprescindível para fazer vigilância, orientar as autoridades e alertar a população nos eventos severos, ele não é infalível. Portanto, é prioritário remover a população que habita em áreas de alto risco, bem como impedir sua ocupação. Assim, as soluções em Engenharia e Geotecnia devem encabeçar a lista de ações atinentes a proteção da população em face da possibilidade de ocorrência de fenômenos naturais.
O que se espera é uma tomada de posição das autoridades constituídas, refletindo sobre a melhor forma de elaborar uma agenda para debater o desenvolvimento da meteorologia nacional, de forma a contemplar a questão profissional, sem reduzi-la exclusivamente a um problema científico. Nesse campo, também não podemos deixar de consignar que a meteorologia cresceu mais do que se desenvolveu. Em que pese a notória qualificação de nossos cientistas, a deficiência na formação de recursos humanos é uma realidade. E desenvolvimento se faz com investimento inicialmente em qualificação intelectual. A aquisição de equipamentos, de importância inquestionável, deve ser realizada de forma vinculada a um plano de capacitação profissional e um plano de desenvolvimento. Esse é o caminho que entendemos seguro para conduzir a meteorologia nacional para proteger nossa população e da qual a sociedade brasileira possa orgulhar-se.
José Carlos Figueiredo
Meteorologista IPMet/UNESP, Dr. em Agronomia