domingo, 6 de fevereiro de 2011

Só a Meteorologia Salva?

          ...há propensão a ocorrer um desastre quando um evento extremo coincide com uma situação vulnerável, sobrepujando a habilidade da sociedade, para controlá-lo ou sobreviver às suas consequências. Não significa que cada evento extremo seja um desastre. Eventos extremos naturais - terremotos, enchentes, secas e até incêndios - são parte de um ciclo natural. Mas o incremento populacional acelerado e as tendências econômicas têm alterado o equilíbrio entre os ecossistemas, aumentando o risco do sofrimento humano, morte e destruição.” (MARQUES e PINHEIRO, 1996 )

Os fatos lamentáveis que ocorreram com os nossos irmãos cariocas, especificamente na região serrana do Rio de Janeiro, têm provocado na mídia coberturas cinematográficas e concorridos debates, em sintonia com o ambiente democrático que vivenciamos no nosso país. Mas será que os trabalhadores do Tempo foram chamados para algum debate? Infelizmente não. E o que se assiste é um jogo de empurra-empurra, todos procurando um responsável, comum em todas as catástrofes, apagões etc.

Vem a pergunta: A Meteorologia avisou?

- Ai do coitado do trabalhador do Tempo se não emitiu algum aviso. A partir desse momento, será julgado pelo seu ato omissivo.

Sou profissional da meteorologia, que aqui denomino carinhosamente de trabalhador do Tempo, há mais de 30 anos; todos dedicados ao serviço operacional. Considero-me entre os mais experientes da América do Sul, especialmente no que se refere à operação de radar meteorológico. Nesse sentido, julgo-me credenciado para participar desse importante debate, movido pelo compromisso com o interesse público e ancorado em idoneidade técnico-científica, posto que para além da experiência nos centros operacionais, dedico parte da minha vida profissional ao exercício científico e de magistério, respaldado por sólida e completa formação acadêmica. Seguem, assim, algumas considerações que entendo necessárias para centralizar o debate em bases mais realistas.

Muito se fala que o supercomputador Tupã será a solução para evitar os flagelos com as conseqüentes perdas de vidas e propriedades, decorrentes de enchentes e desmoronamentos tão comuns nos nossos verões e às vezes também (não tão raro como se pensa) em outras estações do ano. Pois bem, é verdade que graças aos modelos meteorológicos a previsão de Tempo no Brasil deu saltos de qualidade nos últimos 10 anos, contudo, se há que reconhecer que os modelos matemáticos utilizados em meteorologia têm muitas limitações. Um dos problemas dos modelos é que sua atualização decorre a cada 12 horas; vamos guardar esta informação.

Os satélites meteorológicos, que não são nossos, o que nos torna refém dos proprietários, são atualizados a cada 30 minutos, mas efetivamente o meteorologista só tem acesso cerca de 40 a 45 minutos depois da varredura, vamos guardar esta informação também.

Agora vamos falar do radar meteorológico, que também tem limitações de várias ordens, mas é muito eficiente, dependendo da distância entre o alvo (chuva) e a sua localização, para detectar, qualificar, quantificar e fazer prognósticos de tempestades, de até uma hora de antecedência. Tome-se como exemplo o serviço meteorológico operacional da UNESP (trabalha com plantões de 24 horas), que possui os radares mais modernos da América do Sul, instalados em Bauru e Presidente Prudente no Estado de São Paulo, com pessoal habilitado junto ao sistema CREA/CONFEA e altamente qualificado para operar e interpretar as informações produzidas pelo radar. Em um dia de chuva, os radares meteorológicos trabalham sincronizados e coletam informações em tempo real a cada 7,5 minutos, o que permite estimar a direção e a velocidade de deslocamento das chuvas significativas detectadas, funcionando como uma eficaz ferramenta de vigilância meteorológica; guardemos esta informação também.

Outras informações, também imprescindíveis para qualquer centro de vigilância meteorológica, vêm da rede de estações meteorológicas de superfície e altitude. A rede de estações meteorológicas de superfície, interligada ao sistema de dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), é operada pelo Instituto Nacional de Meteorologia – INMET, sendo este o mais equipado da América do Sul. Nos últimos 04 ou 05 anos o INMET implementou uma rede de estações automáticas, substituindo quase todas estações convencionais, aliado a um sistema de transmissão de dados que os transfere em tempo real para a rede mundial de computadores; outra informação para guardar.

Agora vou narrar uma situação bem comum no dia-a-dia: os modelos não estão prevendo chuvas para o Estado de São Paulo. Nessas situações os radares meteorológicos fazem varreduras a cada hora (no verão, mesmo sem chuva a cada 30 minutos). Horas depois aparecem as primeiras chuvas, dependendo de onde foram detectadas as varreduras dos radares passam para cada 7,5 minutos, função do produto que se deseja.

Problema 1: Lembram de tempo de atualização dos modelos matemáticos?
As chuvas continuam a aumentar em quantidade e intensidade, logo os resultados dos modelos tornaram-se perecíveis, começa o pessoal da defesa civil e população a ligarem para o órgão de vigilância perguntando: qual a previsão para o dia seguinte? O profissional que só utiliza as saídas dos modelos sabe que não tem alternativa, e agora? Nesse momento entra o profissional treinado, com experiência e busca um novo diagnóstico na rede de estações meteorológicas (em superfície, pois em altitude a atualização também é a cada 12 horas para uma parte da rede, 24hs para o restante) e faz as análises das famosas cartas sinóticas, onde tem como objetivo principal fazer um diagnóstico correto do Tempo, uma vez que os modelos não avaliaram aquela situação.

Problema 2: Onde encontrar esse profissional?

Ocorre que os trabalhadores do Tempo não têm um plano de carreira com um salário adequado, nem ao menos o piso profissional sugerido pelo CREA. Conseqüentemente, migram para outros ramos da profissão, pois, além da labuta do trabalhador do Tempo requerer extrema dedicação, posto que exige solução de continuidade (trabalha fins de semana, natal, ano novo, carnaval, páscoa, dia das mães, dos pais e todos os feriados, manhã, tarde, noite e madrugada) o salário é desanimador. Logo, constata-se uma enorme e prejudicial rotatividade desses profissionais nos centros operacionais, impedindo que atinjam a maturidade como analistas meteorológicos, imprescindíveis para o diagnóstico correto das situações meteorológicas com vistas à elaboração de uma adequada previsão do Tempo.

A nossa academia é comparável as melhores do mundo, uma vez que a grade curricular de meteorologia é a mesma, e os nossos docentes são quase todos qualificados com títulos de doutores. Na academia nasce os nossos pesquisadores de alto grau de competência e quanto mais premiado for, mais atraído será para exercer funções administrativas. Isto nos leva a imaginar a seguinte situação ideal:

Os modelos não têm problemas;

Os radares meteorológicos não têm limitações;


Os nossos talentos da academia continuarão nos seus centros debruçados em pesquisas para aprimorar a meteorologia brasileira;


Teremos mais estações meteorológicas, todas funcionando à todo vapor


Mais dois ou três supercomputares;


Ataulizações de modelos a cada três horas


Os meteorologistas e técnicos operacionais bem pagos



Pergunta: A Meteorologia impedirá os flagelos decorrentes das enchentes, os alagamentos e desabamentos?

A resposta é não, pois, embora o serviço meteorológico seja imprescindível para fazer vigilância, orientar as autoridades e alertar a população nos eventos severos, ele não é infalível. Portanto, é prioritário remover a população que habita em áreas de alto risco, bem como impedir sua ocupação. Assim, as soluções em Engenharia e Geotecnia devem encabeçar a lista de ações atinentes a proteção da população em face da possibilidade de ocorrência de fenômenos naturais.

O que se espera é uma tomada de posição das autoridades constituídas, refletindo sobre a melhor forma de elaborar uma agenda para debater o desenvolvimento da meteorologia nacional, de forma a contemplar a questão profissional, sem reduzi-la exclusivamente a um problema científico. Nesse campo, também não podemos deixar de consignar que a meteorologia cresceu mais do que se desenvolveu. Em que pese a notória qualificação de nossos cientistas, a deficiência na formação de recursos humanos é uma realidade. E desenvolvimento se faz com investimento inicialmente em qualificação intelectual. A aquisição de equipamentos, de importância inquestionável, deve ser realizada de forma vinculada a um plano de capacitação profissional e um plano de desenvolvimento. Esse é o caminho que entendemos seguro para conduzir a meteorologia nacional para proteger nossa população e da qual a sociedade brasileira possa orgulhar-se.



José Carlos Figueiredo
Meteorologista IPMet/UNESP, Dr. em Agronomia




sexta-feira, 30 de abril de 2010

Previsão de Tempo para pescador amador, de fim de semana, feriado, férias...

Recebo vários telefones e emails no meu local de trabalho (IPMet), também em conversas na fila do pão, no barzinho, no futebol das quartas-feiras, consultas (sem remuneração), de como vai estar o Tempo, para tal prática de atividade. Não é à toa que muitas pessoas me chamam de "Homem do Tempo" em Bauru, cidade que moro há 24 anos. Mas o que todos querem é saber a previsão do Tempo o 'T" é maiúsculo, o minusculo é do do relógio).
Dentre eles os mais exigentes: Os pescadores de final de semana.
Para eles é dedicado este passo-a-passo, para que possam facilmente (espero) interpretarem a previsão de Tempo. Claro que os pescadores que acessarem este blog, têm alguma ou muita, habilidade com a Internet, daí a minha missão será mais fácil. De antemão peço desculpas, pois as informações disponíveis de previsão de Tempo, são propositalmente complexas, para um leitor comum decifrar, pois tem data e hora em inglês, não tem uma explicação para o usuário comum entender, mas não se preocupem que isso um dia vai mudar! Mas vamos lá, vejam as etapas que seguiremos:

1 - Escolher o site (afinal onde estão essas previsões)
2 - Escolhendo a localidade
3 - Interpretando os mapas

Então vamos lá!

1 - Escolher o site (afinal onde estão essas previsões)
a) digite www.ipmet.unesp.br
b) no lado esquerdo da página clique em "Link"
c) Quase todos os link têm previsão de Tempo, recomendo o segundo (INMET) e o terceiro (CPTEC), vamos clicar no CPTEC
d) Em cima do novo site tem os seguintes links: Tempo, Clima e Previsão Numérica (clique neste)
e) No lado direito em METEOGRAMAS  clique em "Regionais".  Veja Figura 1.

Figura 1 - Encontrando a Previsão



2 - Escolhendo a localidade

a) Escolha a localidade de seu interesse (neste caso escolhi Vitória/ES, em homenagem ao meu amigo major André, bombeiro daquela linda cidade). Veja Figura 2
b) Vai aparecer um cabeçalho em inglês (deve ser prá eles verem), com informações que explicarem no próximo ítem.

Figura 2 - Escolhendo a localidade


3 - Os gráficos de previsão de Tempo (Figura 3)

Cabeçalho da previsão: as siglas cor respondem  aos responsáveis pela previsão, depois vem o tipo de previsão, a hora que iniciou, como disse é tudo inglês, então a hora e data também, o 00Z é a hora que inicia a previsão = hora de Greenwich= - 3 horas do horário de Brasília, logo na Figura 3, os gráficos apesar de estarem escritos que começam no dia 28 de abril, na verdade é 27 de abril às 21h (-3 horas, lembram?), no dia 29 é 28 às 21 hs e assim por diante, até a data que termina a previsão que é 06 de maio às 21 hs. Parece complicado? veja a data do início: dia 30 de abril de 2010, ok?

3.1 -  Os gráficos  (Figura 3)

Cada gráfico é uma variável prevista: o primeiro é previsão de chuva em milímetro por hora (mm/h), ou seja, 1mm de chuva equivale a 1l de água em um metro quadrado, certo mano? A seguir: Temperatura em graus Celsius, Umidade Relativa em porcentagem (%), Vento direção e velocidade em metros por segundo (m/s), Pressão ao Nível Médio do Mar Hectopascal (hPa) e Cobertura de Nuvens (%).
Segundo depoimentos dos pescadores, o interesse deles é chuva, temperatura, vento e Pressão Atmosférica, então interpretaremos esses campos (gráficos).

                      Figura 3 - Os gráficos de previsão de Tempo                                 


3.2 - A chuva - Figura 4

Esta é quem mais assusta os pescadores, parecem que são feitos de açúcar. Eles têm um medo danado de ir pescar quando está chovendo, mas vamos lá.Considerando que todos entenderam a explicação da data e hora de quando começa e quando termina a previsão, segue o enterro. Na Figura 4 temos a previsão de chuva para Vitória/ES, iniciando no dia 27 de abril às 21 horas e terminado no dia 04 de maio às 21 horas. Quando tem chuva prevista o gráfico aparece pintado (não é o peixe) de azul, logo os melhores dias para o pescador que tem medo de chuva: 01 e 03 de maio (veja as setas na Figura 4), nunca o dia 30!

                                          Figura 4 - Previsão de chuva



3.3 A previsão de Temperatura - Figura 5

A temperatura em condições normais, para a maioria das regiões do Brasil, tem as seguintes características: entre 06 e 07 horas da manhã ocorre a menor (Temperatura Mínima) e entre 15 e 16 horas ocorre a maior (Temperatura Máxima), por isso na Figura 5, temos picos para baixo (de manhã) e para cima (tarde). Para o pescador que também tem medo de frio, observe o dia 01 de maio, onde a previsão da menor temperatura é em torno de 19 graus e antes vinha sendo previsto 23 graus e nesse dia a temperatura máxima prevista é em torno de 27 graus.

                                         Figura 5 - Previsão de temperatura

3.4 A previsão de vento - Figura 6

Inicialmente vamos entender como é representada a direção do vento em meteorologia: a direção do vento representa "de onde ele vem". No exemplo mostrado na Figura 6 (parte b), temos na Rosa dos Ventos a representação do vento de nordeste (NE), ou seja O VENTO ESTÁ VINDO DE NORDESTE. 


Reza a lenda que pescador não gosta de ventania, então o meu amigo major André nos dias 29 de abril, 01 de maio (a partir da tarde), 02, 03 e 04, irá praticar esportes radicais, tipo, pára-quedismo, surfe, menos PESCA!

                                           Figura 6 - Previsão de vento

3.5 A pressão atmosférica - Figura 7

Lembrando que a Pressão atmosférica normalmente é maior às 09 e 21 horas e menor às 15 e 03 h. Tem muito pescador que têm instrumentos, relógios, etc. que medem a pressão atmosférica e me perguntam se neste momento está alta ou baixa, então façam o seguinte, anotem valor da pressão no horário que que você escolher, a mesma coisa no dia seguinte e diminua esse valor do dia anterior se der positivo (mais) está aumentando, se der negativo (menos) está diminuindo. Segundo reza outra lenda, esta tem autor que é o meu colega Bassan que trabalha comigo no IPMet, se diz pescador, mas ninguém nunca comeu um peixe sequer pescado por ele.

O método Bassan: quando a pressão está alta é bom para a pesca!

Conclusão: Segundo o método do Bassan, nos dias 03 e 04 de maio (vide setas) são infalíveis para a pesca.

                                          Figura 7 - Previsão de vento

Então, qual é o seu método de pescaria relacionado as condições de Tempo?

Como sou péssimo pescador, não tenho paciência e nem habilidade, para compensar tenho uma mania que pode ser apreciada na Figura 8. Quando estou de férias ou quando viajo à serviço que dar tempo, compro (as vezes ganho) peixinhos coloridos feitos de gesso, madeira, louça, etc. e enfeito a minha garagem e alguns no banheiro na sala, etc.

                  Figura 8 - Parede da garagem da minha casa

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Enterro da Frente Estacionária = nascimento da ZCAS




Quando fiz graduação em meteorologia estudamos em sinótica (disciplina praticamente extinta da maioria dos cursos) os tipos de frentes, dentre elas a frente estacionária (no modelo policromático, abaixo). Com o passar dos tempos, muita gente foge do serviço operacional e vão fazer scripts para gerar saídas de modelos (que também é muito importante) e geralmente ficam longe da previsão do Tempo. Creio que isso se deve a carência de professores com conhecimento prático de meteorologia sinótica. Ficou mais fácil ensinar aos alunos interpretação de saídas de modelos do que o conhecimentos dos fenômenos atmosféricos que predominam em diversas regiões deste vasto Brasil. Vejo com tristeza toda a mídia noticiando... toda vez que um sistema ficar a partir de 3 dias, atuando em uma região, a ele será dado o nome de ZCAS. Mas ZCAS não é um resultado climatológico? (ou média mensal da nebulosidade), o que aconteceu com a frente estacionária?

 


Sabe o problema qual é: o não conhecimento de alguns colegas (não é culpa deles é do sistema de ensino) em analisar, localizar e interpretar corretamente uma carta sinótica. Uma vez, o cap. Stock me falou: como pode um meteorologista fazer uma previsão se ele não sabe o que está se passando agora? como pode um médico receitar um remédio correto se não fez um bom diagnóstico? É isso aí.